Comunidade Científica
Um espaço que nos permite acompanhar as novidades sobre a Síndrome de Asperger (Perturbação do Espectro do Autismo).
- Cerca de 25% das crianças com autismo quando chegadas à idade adulta não têm défices significativos
- Muitas das crianças diagnosticadas com PHDA (Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção) nos primeiros anos de vida têm uma Perturbação do Espectro do Autismo pelo que se deverá ter muito cuidado em pesquisar sinais compatíveis com autismo nessas crianças.
ESTUDOS & ARTIGOS CIENTIFICOS
Organóides cerebrais no estudo da Perturbação do Espetro do Autismo
Por João Xavier Santos e Astrid Moura Vicente – Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge Secção de um organóide cerebral.
As doenças do foro neuropsiquiátrico, como a Perturbação do Espetro do Autismo (PEA), são particularmente difíceis de estudar. Isto acontece porque existem grandes limitações no acesso a tecido cerebral, assim como questões éticas que impedem a experimentação comportamental em humanos. Alguns aspetos destas doenças podem ser analisados em modelos animais, por exemplo em ratinhos ou mesmo em organismos mais simples como a mosca da fruta ou vermes (C. elegans). No entanto, estes organismos não são suficientemente complexos para replicar o comportamento humano. Por esta razão, foi necessário desenvolver novos métodos que permitam compreender os mecanismos biológicos que levam à PEA, de forma a eventualmente serem encontradas estratégias de prevenção e tratamento eficazes. Um método inovador para ultrapassar as limitações referidas é a geração de estruturas chamadas organoides cerebrais ou minicérebros, que mimetizam o funcionamento do cérebro. Um organóide é um conjunto de células provenientes de um indivíduo, por exemplo do seu cabelo, pele ou dente, e que são cultivadas de forma especial em laboratório para gerar células nervosas com as características desse indivíduo. Se as células forem provenientes de uma pessoa com autismo, os organoides formados permitem estudar as alterações biológicas que ocorrem do cérebro dessa pessoa. Assim, o organoide cerebral funciona como uma miniatura do cérebro humano, e abre novas perspetivas para estudar os mecanismos que levam ao aparecimento da PEA. Como se suspeita que a PEA pode ter múltiplas causas, o método dos organoides é de extrema importância para se compreender a sua base biológica em cada paciente. Para saber mais sobre organóides cerebrais e comos estes são produzidos em laboratório clique aqui (vídeo em inglês, com legendas em português) [1]. Os organóides cerebrais podem ter várias aplicações no estudo da PEA: 1) Testar os efeitos de mutações em genes associados à PEA Um grupo de investigadores americanos testou os efeitos de mutações genéticas em organóides cerebrais e concluiu que, apesar de mutações em diferentes genes (por exemplo ARID1B, CHD8 e KMT5B) com funções ainda pouco claras terem efeitos semelhantes, atuam através de mecanismos distintos [2]. Este trabalho, publicado na revista Nature, mostrou que todas as mutações aceleram ou desaceleram o desenvolvimento de neurónios (células nervosas) envolvidos na neurotransmissão por GABA [2]. Estes resultados apoiam a ideia de que mutações genéticas distintas associadas à PEA convergem na disrupção das mesmas vias biológicas. 2) Testar os efeitos da exposição a toxinas na PEA É sabido que a exposição pré-natal a ácido valpróico aumenta o risco de PEA, no entanto estes mecanismos biológicos ainda são desconhecidos. Um estudo publicado recentemente mostrou que a exposição de organóides cerebrais a ácido valpróico altera vários genes envolvidos na PEA (nomeadamente CAMK4, CLCN4, DPP10, GABRB3, KCNB1, PRKCB, SCN1A e SLC24A2). Estes genes são importantes para um neurodesenvolvimento saudável [3]. Outro estudo mostrou que a exposição de organóides cerebrais a clorpirifós, um pesticida associado à PEA, altera a função do gene CHD8, um importante regulador do desenvolvimento cerebral [4]. Estes estudos revelam como a exposição a toxinas durante períodos críticos do neurodesenvolvimento podem levar ao aparecimento de PEA, e reforçam o papel de interações entre genes e ambiente. 3) Definir novas terapias Investigadores da Universidade da Califórnia produziram organóides cerebrais a partir de células da pele de indivíduos com Síndrome de PittHopkins, que apresentam algumas características clínicas observadas na PEA. Esta síndrome é causada por mutações no gene TCF4 [5]. Os organoides com mutações no gene TCF4 eram substancialmente menores que organoides sem a mutação, e notou-se ainda que algumas células nervosas eram imaturas. Estas observações sugerem que mutações neste gene afetam o desenvolvimento neuronal normal. O que é de grande importância é que, usando os mesmos organoides, os investigadores foram capazes de reverter os efeitos da mutação no gene TCF4, aplicando um fármaco que atua sobre os processos biológicos deste gene. Este trabalho sugere que será eventualmente possível tratar indivíduos portadores de mutações no gene TCF4 com este fármaco. Os organóides cerebrais prometem revolucionar a investigação na área das doenças psiquiátricas, incluindo a PEA. Este método inovador abre as portas a melhorar a nossa compreensão dos mecanismos biológicos que levam à PEA e, no futuro, poderão ser a chave para a definição de novas estratégias de tratamento do autismo.
Referências: [1] – Lancaster M., TED-Ed: What are mini brains? [2] – Paulsen B. et al. (2022). Autism genes converge on asynchronous development of shared neuron classes. Nature. 602, 268-273 [3] – Meng Q. et al. (2022). Human forebrain organoids reveal connections between valproic acid exposure and autism risk. Translational Psychiatry. 12(130) [4] – Modafferi S. et al. (2021). Gene–Environment Interactions in Developmental Neurotoxicity: A Case Study of Synergy between Chlorpyrifos and CHD8 Knockout in Human BrainSpheres. Environmental Health Perspectives. 129(7):770001 [5] – Papes F. et al. (2022). Transcription Factor 4 loss-of-function is associated with deficits in progenitor proliferation and cortical neuron content. Nature Communications. 13 (1)
A investigação da Perturbação do Espetro do Autismo em foco no Congresso da Sociedade Americana de Genética Humana
Por João Xavier Santos, INSA – Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge
O congresso anual da Sociedade Americana de Genética Humana (ASHG) de 2021 [1] decorreu no passado mês outubro 2021, em formato virtual devido à pandemia de COVID-19.
Este ano o congresso da ASHG contou com 5164 participantes, oriundos de 81 países, e com um vasto conteúdo científico, incluindo múltiplas sessões orais e 1840 comunicações sobre a forma de póster [1]. Foram discutidos vários tópicos relevantes na área da genética humana aplicada à saúde, nomeadamente em doenças psiquiátricas e do neuro-desenvolvimento, cancro, doenças raras, farmacogenética e diagnóstico pré-natal e aconselhamento genético.
Dada a sua complexidade, e insuficientes biomarcadores e métodos terapêuticos eficazes para todos os doentes, as doenças psiquiátricas e do neuro-desenvolvimento são um dos principais temas explorados em congressos de genética humana. Nesta newsletter apresentamos três temas relevantes na investigação da Perturbação do Espetro do Autismo (PEA), abordados durante este congresso: 1) o uso de mosca-da-fruta como modelo animal para o estudo da PEA; 2) a contribuição de interações entre o risco genético e a exposição ambiental para o desenvolvimento desta patologia; 3) o papel das regiões não-codificantes do genoma na patologia;
- Mosca-da-fruta como modelo animal para o estudo da PEA:
Um grupo de investigadores do Baylor College of Medicine, representados por Ryan Doan, apresentou o trabalho “Drosophila functional screening of the novo variants in autism uncovers deleterious variants and facilitates discovery of rare neurodevelopmental diseases” [2]. A mosca-da-fruta (Drosophila melanogaster) é muito utilizada como modelo animal em estudos genéticos. É sabido que indivíduos com PEA têm uma maior frequência de mutações patogénicas de novo, isto é mutações que não são herdadas dos pais, em vários genes candidatos. Através do seu trabalho, Ryan Doan e colegas testaram os efeitos que um tipo específico de mutações, designadas como não sinónimas, têm no comportamento de moscas-da-fruta. Mutações não-sinónimas são particularmente importantes porque alteram a sequência dos aminoácidos da proteína que codificam e, consequentemente, exibem grande probabilidade de ter um efeito patogénico. De 79 mutações estudadas, 30 alteraram o comportamento das moscas-da-fruta, nomeadamente a interação com outras moscas. Isto mimetiza parcialmente as dificuldades de interação e comunicação social comuns entre indivíduos com PEA. Este estudo reforça o papel que mutações não-sinónimas têm nas alterações de comportamento associados à PEA e mostra o benefício de recorrer a modelos animais para a compreensão dos mecanismos biológicos na base do comportamento humano.
- Interações-gene ambiente na PEA:
Investigadores do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, representados por João Xavier Santos, apresentaram neste congresso o trabalho intitulado “Interactions between variants in detoxification and permeability barrier genes and xenobiotics in Autism Spectrum Disorder” [3]. Neste trabalho, através de sequenciação genética, foram identificadas mutações potencialmente patogénicas em genes envolvidos em processos de destoxificação e regulação da permeabilidade de barreiras fisiológicas, como a barreira hemato-encefálica e a placenta, em indivíduos portugueses com PEA. Estes são processos chave no controlo do fluxo e metabolismo de xenobióticos, que são substâncias ambientais que podem ter efeitos nocivos graves durante a gravidez e primeiros anos de vida. Os indivíduos portadores destas mutações podem apresentar alterações no funcionamento destas barreiras fisiológicas, levando a uma acumulação de xenobióticos no seu organismo. Assim, nestes indivíduos, a exposição a fatores ambientais durante o neuro-desenvolvimento poderá ter contribuído para o risco de PEA. Este trabalho suporta resultados recentes que mostram que tanto fatores genéticos como fatores ambientais contribuem para o risco de PEA.
- O papel das regiões não-codificantes na PEA:
Através do trabalho “Biallelic noncoding regulatory mutations in autism spectrum disorder” investigadores do Boston Children’s Hospital em Massachusetts, representados por Ryan Doan, examinaram a presença de mutações em regiões do ADN que controlam a ação dos genes [4]. Estas regiões, chamadas promotores, estão localizadas no ADN em zonas que não codificam proteínas, e que regulam a expressão génica. Como os promotores se encontram localizados perto dos genes que regulam, é mais fácil discernir os efeitos que estas mutações têm, em comparação com outras regiões não-codificantes. Os autores deste trabalho concluíram que aproximadamente 3% dos indivíduos com PEA que participaram em dois estudos diferentes (Homozygosity Mapping Collaborative for Autism e Autism Sequencing Consortium) tinham mutações em promotores que regulam a expressão de mais de 20 genes fortemente associados à patologia. Assim, a identificação de mutações em regiões não-codificantes poderá, no futuro, aumentar o número de mutações detetadas por testes de diagnóstico genético que constituem um diagnóstico etiológico, isto é, uma explicação clara da origem genética da doença.
Os trabalhos aqui apresentados realçam o papel que a investigação básica tem na descoberta de fatores de risco e mecanismos biológicos envolvidos na PEA. São estudos como estes que originam resultados significativos que podem depois ser utilizados por outros investigadores que pretendam desenvolver estratégias de diagnóstico, prevenção e terapêutica na PEA.
Eventos como o congresso da ASHG permitem a troca de conhecimento e discussão científica entre investigadores de todo o mundo, estimulando a criação de projetos e parcerias internacionais que beneficiem da experiência diferenciada de vários colaboradores. Desta forma é possível promover a investigação aplicada a patologias que, como as doenças psiquiátricas, têm um grande impacto pessoal, familiar e social.
Bibliografia:
[1] - https://www.ashg.org/meetings/2021meeting/
[2] – Marcogliese PC et al. Drosophila functional screening of the novo variants in autism uncovers deleterious variants and facilitates discovery of rare neurodevelopmental diseases. American Society of Human Genetics. 2021
[3] – Santos JX et al. Interactions between variants in detoxification and permeability barrier genes and xenobiotics in Autism Spectrum Disorder. American Society of Human Genetics. 2021
[4] – Doan R et al. Biallelic noncoding regulatory mutations in autism spectrum disorder. American Society of Human Genetics. 2021
Por Hugo Martiniano e Joana Vilela, INSA – Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge
Os progressos na área da sequenciação genética têm permitido analisar cada vez com maior detalhe a relação entre as alterações genéticas e doenças como a Perturbação do Espectro do Autismo (PEA). Uma das tecnologias atualmente utilizadas é a sequenciação de célula única. A sequenciação de célula única é um método de sequenciação de ADN através do qual se pode analisar o conjunto dos genes de uma única célula.
O impacto das alterações genéticas no funcionamento de uma célula não é igual em todos os órgãos. Através da técnica de sequenciação de célula única, podemos obter uma ideia dos efeitos das alterações genéticas com maior detalhe e perceber que órgãos são afetados por uma dada mutação. Por exemplo, genes responsáveis pela produção de proteínas do cabelo ou da pele, podem não produzir essas mesmas proteínas noutros órgãos do corpo. Por esta razão, é importante perceber se uma mutação num determinado gene pode ou não afetar o órgão que queremos estudar. Espera-se que a aplicação desta técnica no estudo de doenças humanas permita esclarecer quando, como e porquê uma célula num dado órgão se desvia do seu comportamento “normal”, originando um estado de doença [1].
Alguns estudos recentes têm utilizado a técnica de sequenciação de célula única para avaliar o impacto de certas mutações em determinados genes em doentes. Na Universidade da Califórnia, uma equipa liderada por Dmitry Velmeshev e Arnold Kriegstein, utilizou a sequenciação de célula única no estudo da PEA, e identificou alterações que podem modificar a produção de proteínas em certos tipos de células cerebrais. As descobertas deste estudo foram recentemente publicadas na revista Science [2] e podem contribuir para a identificação de novos tratamentos para a PEA.
A equipa de investigação analisou vários tipos de células do cérebro. Os investigadores identificaram diferenças relevantes em dois tipos de células cerebrais (neurónios do córtex e células do sistema imunitário cerebral) em indivíduos com e sem PEA. Estabeleceram também correlações entre as mutações encontradas e a gravidade dos sintomas. Uma análise detalhada de pessoas com PEA detectou uma menor produção de proteínas necessárias para a comunicação entre os neurónios, para o desenvolvimento cerebral e para a resposta imunitária do cérebro.
Estes resultados são concordantes com os obtidos num outro estudo, de 2021, que analisou 35 genes associados ao autismo, utilizando a técnica de sequenciação de célula única [3] combinada com uma técnica de edição genética (ver edição da newsletter de dezembro de 2020*). Os autores investigaram o efeito das alterações genéticas nestes genes em 5 tipos de células cerebrais, e descobriram que alguns grupos de genes são afetados em todos os tipos de células estudados, enquanto outros genes só são afetados em dois dos tipos de células cerebrais: células neuronais e células da glia (células que auxiliam os neurónios em diversas funções como nutrição e imunidade). Estas alterações podem ter um impacto negativo no funcionamento dos neurónios das regiões afetadas e nas funções do sistema imunitário do cérebro.
Como concluiu Kriegsten relativamente aos resultados do estudo levado a cabo pela sua equipa: “Esta descoberta dá-nos a esperança de que, no futuro, as mesmas terapias possam ser aplicadas amplamente a pessoas de todo o espectro do autismo, mesmo que estas tenham diferentes alterações genéticas”. Nós pensamos que a aplicação desta técnica poderá vir a dar um contributo decisivo para esclarecer muitas das questões pendentes na investigação da genética da PEA e abrir a porta a novas abordagens terapêuticas.
*Ver também o artigo: "O Prémio Nobel da Química de 2020 e as suas aplicações na investigação da Perturbação do Espectro do Autismo".
Referências:
[1] Single-Cell Genomics: Technology and Applications: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/B9780128149195000099
[2] Single-cell genomics identifies cell type–specific molecular changes in autism: https://science.sciencemag.org/content/364/6441/685
[3] In vivo Perturb-Seq reveals neuronal and glial abnormalities associated with autism risk genes: https://science.sciencemag.org/content/370/6520/eaaz6063
O diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) aplica-se a pessoas muito diferentes. Esta ideia fica clara quando conhecemos a evolução histórica do conceito de autismo. Neste sentido, a prevalência da PEA tem vindo a aumentar desde os anos 80, não apenas à medida que esta definição tem evoluído, mas também à medida que a própria consciencialização tem aumentado.
É verdade que quando pensamos em autismo surge-nos frequentemente a imagem de uma criança isolada. No entanto, estas crianças crescem e chegam a adultos, e muito embora algumas desenvolvam competências adaptativas suficientes para que deixem de cumprir os critérios de diagnóstico de PEA, esta é em geral considerada uma perturbação ao longo da vida.
Nos últimos anos, a PEA tem sido alvo de importante investimento cientifico e melhoria dos cuidados de saúde prestados na infância. E embora haja um reconhecimento crescente do número de casos e importância da PEA, há um facto para o qual nem todos parecem ainda estar despertos: as crianças com PEA tornam-se adultos, ou seja, existe um número crescente de pessoas com PEA em transição pediátrica para serviços médicos para adultos. E, ainda que sejam as intervenções na infância as que mais capacitam para mudar a história natural da perturbação, os adultos, muitas vezes, têm dificuldades ao enfrentarem os novos contextos e desafios típicos da idade adulta.
Pouco se sabe sobre o estado geral de saúde de adultos com autismo. Uma excepção é o estudo “The health status of adults on the autism spectrum.”, publicado em 2015, na revista Autism. Neste estudo, Croen e colegas descreveram as condições psiquiátricas e médicas numa amostra alargada de adultos com autismo nos EUA, e compararam com um grupo de pessoas sem diagnóstico de autismo. Estes autores mostraram que os adultos com autismo têm mais problemas de saúde e psiquiátricos do que a população em geral. Ou seja, os adultos com autismo têm uma frequência mais elevada de perturbações psiquiátricas, incluindo depressão, ansiedade, perturbação bipolar, perturbação obsessivo-compulsivo, esquizofrenia e tentativas de suicídio. Têm também mais frequentemente várias condições médicas, como doenças imunológicas, perturbações gastrointestinais e do sono, convulsões, obesidade, dislipidémia, hipertensão e diabetes.
Os autores sugeriram diferentes explicações possíveis para o aumento do número de condições psiquiátricas e médicas no adultos com PEA.
Primeiro, os défices na comunicação e socialização, bem como no processamento sensorial (que definem os principais critérios de diagnóstico da PEA) podem impedir estes adultos de recorrer a cuidados de saúde preventivos ou de identificar com precisão a localização da dor ou desconforto, levando a diagnósticos mais tardios e assim adiando o tratamento precoce da doença. Por outro lado, o isolamento social, a discriminação e as dificuldades de comunicação podem também levar a perturbações psiquiátricas, como ansiedade e depressão.
Segundo, os principais défices no autismo e a falta de educação em saúde, apoios e acomodações podem resultar em opções de estilo de vida com fatores de risco conhecidos para muitas condições médicas e psiquiátricas. Por exemplo, sensibilidades sensoriais podem levar a uma dieta limitada com baixo valor nutricional.
Terceiro, a PEA e outras condições psiquiátricas e médicas podem partilhar fatores genéticos semelhantes.
Quarto, os medicamentos usados para o tratamento das comorbidades psiquiátricas e neurológicas podem aumentar o risco de outras condições.
Embora sejam necessárias mais investigações para identificar os fatores que podem contribuir para este excesso de condições médicas e psiquiátricas associadas, há também uma necessidade importante de todos os clínicos abordarem a PEA como uma condição crónica de saúde que requer acompanhamento e intervenção regular e continua nos problemas médicos e psiquiátricos.
A grande maioria dos estudos sobre cuidados de saúde em pessoas com autismo tem-se concentrado em crianças. No entanto, a boa noticia é que, cada vez mais, há estudos com o objetivo de explorar as características e condições de saúde de adultos com PEA e as perceções dos prestadores de serviços para promover o desenvolvimento de melhores práticas em assistência e apoio à saúde destes adultos. Um bom exemplo são os vários estudos desenvolvidos pelo projeto europeu Autism Spectrum the Disorder in the European Union (ASDEU 2015-2018), que incluiu Portugal. Entre outros tópicos, esta iniciativa europeia pretendeu analisar os cuidados e apoios prestados a adultos e idosos com autismo, bem como as comorbilidades associadas ao autismo, recolhendo também as razões para contactos médicos relatados não apenas pelos adultos com PEA, mas também pelos seus cuidadores e profissionais de saúde. O objectivo foi o de promover uma melhor saúde e um melhor conhecimento dos serviços de saúde para adultos autistas. Estes estudos serão tornados públicos brevemente.
Referência
http://asdeu.eu
Croen, L. A., Zerbo, O., Qian, Y., Massolo, M. L., Rich, S., Sidney, S., & Kripke, C. (2015). The health status of adults on the autism spectrum. Autism, 19(7), 814-823.
Coronavirus QUE MAL FIZ EU?
Tendo em conta a contingência que estamos a passar ...[não, não irei advertir para o que quer que seja e muito menos deixar-vos recomendações para tudo o que pensamos saber].
Apenas refletir que estamos a lidar com algo de controverso e que me faz também incluir o Espectro do Autismo.
Perante a sintomatologia apresentada na nossa população, assumimos haver um défice de interação social e uma inabilidade na manutenção da mesma - a socialização - a sempre tão estimada pelo H.e que agora nos pōe em risco.
Défice ? Ou nós,que não somos portadores da patologia, é que nos excedemos ?!
As nossas pessoas,neste momento,poderão estar a sentir um alívio por lhes ser pedido para se isolarem para que o mundo assuma o tal distanciamento social, assumindo haver consequências nevastas ... contudo se nos mantivermos neste isolamento, passamos todos a pertencer a variáveis do espectro? Aqui,emerge a evidência de como sempre avaliamos negativamente uma “minoria”como sendo uma fragilidade, desprezando as suas qualidades e potencialidades na sua diferença. Se assim fosse,e perante o contexto atual,pessoas com Autismo passam a ser aquelas que passeiam pelas ruas procurando o próximo. Não deixa de ser irónico.
O pragmatismo com que as nossas pessoas interpretam e tomam decisões sempre foi avaliado com prejuízo por não haver capacidade de planeamento e encadeamento de situações / consequências. Pois bem, aqui estamos perante um momento em que todos nós ascendemos ao patamar mais elevado desde handicap. Mas como somos a maioria, somos saudáveis ...mas de facto as premissas das teorias da psicologia,dizem-me que os nossos níveis de coerência central entre outras correntes estão igualmente fragilizadas.
As dificuldades de autonomia e relação com o meio, características tão marcantes nas perturbações do Autismo que,até então,
acentuam uma distinção do padrão dito “normativo” e faz com que a sociedade operacionalize firmemente um protagonismo impregnado de ferramentas e estratégias com o objetivo de levar as nossas pessoas a serem “mais adequadas” e semelhantes ao próximo (desejando nós, na nossa santa ignorância), que o
ensinamento de ter de fazer como todos fazem, saber como gastar,utilizar, usufruir, ocupar e pertencer a ... seja o barómetro da assertividade,considerando que o caminho é este...quando,se repararmos bem, e perante este novo paradigma,a natureza nos diz que somos excessivos e egocêntricos na posse e na forma de estar.
Afinal, quem assume um padrão egocêntrico e desadequado ?
O tal padrão da “normalidade”,
[palavra ingrata,talvez a mais turva]
ao que nos está a levar?
E se todos nós sempre tivéssemos adquirido padrões de interação com o meio menos excessivos, mais cuidados preservando tudo à nossa volta, não estaríamos mais equilibrados?
E se a medida por nós escolhida de socialização nos levou a um desadequamento extremo ? a necessidade do tal distanciamento social, tão apontado à nossa população como patológica, não será a medida certa que nos irá acudir ?
E se todos adotássemos uma rigidez de pensamento, assumindo apenas o essencial com o pragmatismo espontâneo que só os nossos o sabem fazer? Não teríamos atualmente maiores níveis de confiança e certeza?
Afinal,o pragmatismo é a chave de ouro, mas não desenvolvido por todos.
Como estaríamos atualmente, se nos tivesse sido permitido em termos académicos e educativos, focar intensivamente em algo que dominássemos , em que cada um de nós tivesse a perseverança de manter como único e seu - o interesse intenso, transformando-o em sabedoria extrema. Não poderíamos, contar mais com a soma das partes e partilha-la em momentos como este?
A fragilidade identificada nos processos de atenção| concentração e manutenção da mesma nas nossas pessoas, leva-as a serem exímias no detalhe com a penalização de desvalorizarem o essencial . Bem, perante o que atravessamos, toda a humanidade preenche este critério de diagnóstico. Por outro lado, com a exigência das restrições e determinações mundiais atuais todos nós desenvolvemos saudavelmente o nosso autismo, assumo que estou mais atenta ao detalhe extraindo sentimentos simples há muito adormecidos e dou comigo alienada das coisas que usualmente me aceleravam e alimentavam a rotina doentia em que todos nós vivemos.
Não fará sentido e não será um mecanismo de defesa oscilarmos os nossos níveis de atenção focada e atenção conjunta? Não será por termos esta capacidade em manter a atenção conjunta que somos todos levamos a processos de “contágio” pelo que é expectável e semelhante, logo correto e a adquirir?!
Não estarão as nossas pessoas protegidas e equilibradas tendo este défice? Mantendo fielmente a sua individualidade? Ah, esqueci-me ...Claro que não,porque não são a maioria. Nós sim...
E a ingenuidade, que tanto limita e acompanha as pessoa com autismo nos seus processos de maturação e autodeterminação. Conceito este que sofre de fragilidades constantes por ser de fácil manipulação. Só se evidencia como um défice, porque o que predomina nas sociedades assenta em princípios e práticas por vezes menos saudáveis inerentes, não só, às condições e necessidades de vida.
Não deveríamos todos ter uma carga genética de ingenuidade, aguçando apenas a nossa inteligência para as boas práticas e para uma evolução da espécie baseada em valores de equidade e bem estar? Valorizando a espontaneidade da ingenuidade, tal como apreciamos na infância. Se assim fosse,não alimentaríamos nem alcançaríamos outra formas de ser mais destrutivas. Invejo com frequência o desprendimento com que as nossas pessoas lidam ou não com o dinheiro, por exemplo. Quem será mais independente, eles ou a maioria de nós?
Penso termos a oportunidade de, através do caos imposto sem data de término prevista, valorizar e desencadear junto das nossas pessoas e respetivas famílias novas formas de atuação que sejam promotoras do bem estar e reconhecimento da sua condição. Isto porque de facto eles são exímios e pessoas fascinantes.
Despeço-me,com a partilha que tive hoje, via WhatsApp, de um paciente, que me disse com sensatez (como ele expressa) que tinha acabado de comprar um DVD pelo site da sua loja preferida, intitulado “Que mal fiz eu a Deus, agora?” - inteligente e perspicaz não?!
Nunca assumam que as pessoas com autismo não gerem sentimentos.
março, 2020
Patrícia de Sousa
Direção Técnica APSA
Investigação do autismo - O ano 2019 em revista
Investigação do Autismo - o ano de 2019 em revista
Joana Vilela
Durante o ano de 2019, investigadores identificaram algumas pistas importantes para a compreensão da Perturbação do Espetro do Autismo. Por exemplo, os resultados obtidos através da investigação em modelos rudimentares do funcionamento do cérebro humano, chamados organoides cerebrais, revelaram novos detalhes sobre a biologia do autismo e poderão fornecer novas plataformas para testar terapia farmacológicas. Estudos sobre a frequência cardíaca destacam a importância das alterações no Sistema Nervoso Autónomo no Autismo. Outros estudos apoiam também a possível ligação entre o microbioma (conjunto de micróbios) que existe no intestino de cada indivíduo e o autismo. Finalmente, foram obtidas informações importantes sobre as janelas temporais para o tratamento do autismo.
Deixamos aqui alguns dos principais tópicos do ano de 2019 na investigação sobre o autismo.
Organoides cerebrais
Os organoides cerebrais são modelos simples de aspetos do funcionamento do cérebro que são produzidos em laboratório. São desenvolvidos a partir de aglomerados de células estaminais, isto é, células primárias que se podem diferenciar em células de diferentes tecidos, as quais são estimuladas para formarem tipos de células cerebrais. Investigadores conseguiram manter estas células vivas por períodos de um a dois anos, permitindo que estas amadurecessem e reproduzissem alguns mecanismos de funcionamento do cérebro humano1. Nos organoides com maior duração, os investigadores puderam acompanhar as mudanças na expressão de genes associados ao autismo, e descobriram que os organoides derivados das células da pele de pessoas com autismo exibem uma redução no número de células que regulam a atividade cerebral. Esta observação vem apoiar a teoria de que existe um desequilíbrio na sinalização entre células do cérebro, levando a que o sistema nervoso se torne hiperexcitável no autismo.
Em 2019, os cientistas construíram também pequenas réplicas de duas áreas cerebrais conectadas por um longo feixe de fibras nervosas2 , as quais podem ajudar a compreender de que forma as ligações nervosas de longo alcance se encontram alteradas no cérebro de pessoas com autismo. Organoides cerebrais desenvolvidos a partir de células de pessoas com Síndrome do X frágil podem ainda explicar a razão pela qual alguns medicamentos parecem funcionar em modelos animais, mas não em humanos, e fornecer pistas para terapias eficazes. Os organoides são também promissores para fornecer uma plataforma para testar novos medicamentos e tratamentos, já que os investigadores podem agora produzir centenas de organoides em paralelo e torná-los uniformes em termos de forma e de composição3.
Frequência cardíaca
Novas evidências surgiram em 2019 que associam o autismo ao funcionamento do Sistema Nervoso Autónomo - a parte do sistema nervoso que controla atividades automáticas como a respiração, os batimentos cardíacos ou a digestão. Alterações identificadas a este nível podem explicar diversas características do autismo, como as dificuldades na interação social e as alterações na sensibilidade sensorial, além de problemas cardíacos e digestivos. Muitas dessas alterações verificam-se ao nível da frequência cardíaca. A frequência cardíaca permanece constante em pessoas autistas durante o processo respiratório, em vez do padrão típico de leve desaceleração ao expirar e aceleração ao inspirar4. Essa discrepância surge após os 18 meses de idade, altura em que são observados os primeiros sintomas do autismo. Crianças com Síndrome de Rett apresentam também padrões pouco comuns de frequência cardíaca, e essas diferenças podem subsistir para além da infância. Um estudo revelou ainda que em adultos com autismo os batimentos cardíacos em repouso raramente variam, sugerindo uma menor flexibilidade para responder às mudanças ambientais5.
Microbioma
Crianças autistas são propensas a desenvolver problemas gastrointestinais. Esta associação pode não ser uma coincidência, dado que certas alterações genéticas ocorridas no microbioma (a comunidade de micróbios) do intestino parecem poder contribuir para o autismo. Quatro estudos efetuados em ratinhos em 2019 oferecem novas evidências que apoiam esta ideia, embora algumas sejam ainda controversas. Num estudos, os investigadroes substituíram os micróbios intestinais dos ratinhos6 pelo microbioma de crianças autistas. Verificaram depois que os ratinhos exibiam comportamentos repetitivos, faziam menos vocalizações e passavam menos tempo em atividades sociais do que os ratinhos que não tinham sidos sujeitos às mesmas condições experimentais. Forneceram, assim, a primeira evidência de que os micróbios intestinais podem de alguma forma contribuir para as características do autismo. Este estudo foi alvo de controvérsia e criticas por vários especialistas, nomeadamente, pelo numero reduzido de ratinhos testados.
Outro estudo revelou que a ingestão de Lactobacillus reuteri, um tipo de bactéria intestinal encontrada no iogurte e no leite materno, melhora o comportamento social em três modelos de autismo em ratinhos7. Finalmente, mutações no gene NLGN3, um gene com evidência forte de associação com o autismo, alteram a função intestinal8, 9 e o microbioma dos ratinhos.
"Janela" terapêutica
Os medicamentos para o autismo podem ser mais eficazes quando administrados durante um "período crítico" do desenvolvimento do cérebro, e alguns estudos contribuíram este ano para definir as "janelas" temporais para o tratamento de sintomas de autismo em modelos de ratinhos. Um estudo revelou que, quando os ratinhos atingem a idade adulta, perdem a capacidade de aprender através das experiências sociais10. Dar a ratinhos adultos uma injeção de 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA), o ingrediente ativo do ecstasy, reabre a "janela crítica" para a aprendizagem. Noutro estudo, os investigadores forneceram lovastatina, um medicamento para o colesterol, a modelos de ratinhos que mimicam a Síndrome do X frágil11. Verificaram que, quando o tratamento é administrado às 4 semanas de idade, não ocorrem alterações no desenvolvimento cognitivo. Outro estudo efetuado em modelos de ratinho com alterações no gene UBE3A, o gene mutado na Síndrome de Angelman, mostrou que quanto mais cedo é restaurada a função do gene, maiores benefícios são observados no desenvolvimento dos ratinhos12.
Em conclusão, o ano de 2019 foi um período de importantes avanços na investigação do autismo em vários aspetos. Nomeadamente, avançou-se significativamente no desenvolvimento dos organoides cerebrais, que permitem obter um modelo biológico para cada indivíduo e representam uma enorme oportunidade para compreender melhor a biologia do autismo e a heterogeneidade entre pessoas com autismo, com vista a novas terapias. Foram ainda colocadas novas hipóteses, como o papel do Sistema Nervoso Autónomo, e progrediu-se no sentido de demonstrar a importância da composição em micróbios do intestino assim como do momento ideal para terapêutica no autismo.
Referências:
1 Giandomenico S.L. et al. Nat. Neurosci. 22, 669-679 (2019);
2 Kirihara T. et al. iScience 14, 301-311 (2019);
3 Velasco S. et al. Nature 570, 523-527 (2019);
4 Sheinkopf S.J. et al. Biol. Psychol. 142, 13-18 (2019);
5 Thapa R. et al. Autism Res. Epub ahead of print (2019);
6 Sharon G. et al. Cell 177, 1-19 (2019);
7 Sgritta M. et al. Neuron 101, 1-14 (2019);
8 Hosie S. et al. Autism Res. 12, 1043-1056 (2019);
9 Leembruggen A.J.L. et al. Autism Res. Epub ahead of print (2019);
10 Nardou R. et al. Nature 569, 116-120 (2019);
11 Asiminas A. et al. Sci. Transl. Med. 11, eaao0498 (2019);
12 Spratt P.W.E. et al. Neuron Epub ahead of print (2019).
O desenvolvimento de novas tecnologias e grandes estudos de base populacional têm projetado recentemente uma nova luz sobre o possível impacto de alguns fatores ambientais na etiologia da PEA. Por exemplo, sabemos que todos os gémeos partilham o seu ambiente desde a conceção, e que os gémeos iguais (monozigóticos) partilham também todos os seus genes, enquanto que gémeos diferentes (dizigóticos) apenas têm em comum metade dos seus genes. Assim, a comparação da concordância para a PEA entre gémeos iguais e entre gémeos diferentes podem fornecer uma estimativa sobre a importância relativa de fatores ambientais e fatores genéticos na etiologia do autismo. Embora estes estudos já se façam há muitos anos, recentemente foram alargados a grandes grupos de gémeos, permitindo um cálculo muito mais rigoroso que sugere que fatores ambientais contribuem de forma importante para o risco de desenvolvimento da PEA. Tendo esta evidência em mente, Modabbernia, Velthorst e Reichenberg analisaram sistematicamente todas as publicações de revisão e meta-análises sobre fatores ambientais e risco de PEA até 2016, reportando em 2017 uma visão epidemiológica abrangente1.
A análise referida mostra claramente que fatores como a vacinação, o tabagismo materno e a exposição ao timerosal não estão relacionados com o risco de PEA e que muito provavelmente as tecnologias de reprodução assistida também não têm qualquer impacto. Por outro lado, alguns outros fatores de risco contribuem para um maior risco de PEA, nomeadamente a idade avançada dos pais e as complicações no parto associadas a trauma, isquemia ou hipoxia. Outros fatores relacionados com a gravidez, como a obesidade materna, a diabetes materna e a cesariana, mostraram contribuir relativamente pouco para o risco de PEA. Uma associação forte e dependente da dose foi encontrada entre a utilização de valproato (fármaco utilizado para tratamento da epilepsia) durante a gravidez e o risco de PEA e de outros problemas de neurodesenvolvimento, enquanto os resultados para a utilização de fármacos inibidores da recaptação de serotonina não foram conclusivos. Relativamente à nutrição e à utilização de suplementos, os efeitos benéficos da toma de ácido fólico e ômega 3 não foram claramente demonstrados. O estudo mostrou ainda que os níveis de vitamina D são significativamente mais baixos em crianças com PEA do que em crianças com desenvolvimentos típico, embora não seja clara a causalidade. Outra área abordada foi a exposição a toxinas ambientais, nomeadamente a poluição atmosférica, timerosal, mercurio inorgânico e chumbo. Uma associação foi encontrada entre a exposição pre-natal a micro-partículas no ar e o risco de PEA, mas com efeito relativamente pequeno. Como acima referido, a exposição a timerosal nas vacinas não aumenta o risco de PEA. No entanto, exposição a níveis elevados de mercúrio inorgânico de outras fontes ambientais poderá contribuir para a PEA. De entre os metais pesados analisados em vários tecidos, incluindo sangue, cabelo dentes ou urina, os resultados mais consistentes foram de uma associação entre
os níveis de chumbo e mercúrio inorgânico e a PEA; no entanto a maioria dos estudos têm limitações no seu desenho, e para uma conclusão definitiva há que fazer uma investigação mais aprofundada.
Uma questão fundamental sobre a associação entre fatores de risco ambientais e PEA é se esta associação representa uma causalidade ou é devida a confundimento. Por exemplo, as associações de complicações no parto com a PEA podem ser devidas a uma condição genética que se apresenta com sintomas de ASD e que leva a complicações no parto. Assim, alguns fenómenos poderão ser observados mais frequentemente em crianças com autismo, mas não serem a causa do autismo. Por outro lado, os mecanismos das associações encontradas entre fatores ambientais e o risco de PEA são atualmente debatidos, incluindo interações entre genes e ambiente, alterações no sistema imune, perturbações endócrinas ou alterações nas vias de sinalização do cérebro. A partir dos estudos observacionais em que esta análise foi baseada, é muito difícil estabelecer uma causalidade, e é importante que o desenho de estudos futuros possa contemplar uma análise mais inferencial. Por outro lado, a análise das interações entre uma susceptibilidade genética e a exposição ambiental poderá contribuir para uma visão mais clara da etiologia da PEA.
Em comparação com estudos genéticos, os estudos sobre fatores de risco ambientais estão ainda no seu inicio e portanto têm limitações metodológicas significativas. Estudos futuros beneficiariam de uma abordagem mais abrangente, incluindo uma quantificação mais precisa da exposição, em populações de maiores dimensões para detetar efeitos mais subtis, a avaliação da exposição em relação a períodos críticos de desenvolvimento e a interação dinâmica entre o gene e o ambiente.
1 Amirhossein Modabbernia, Eva Velthorst, and Abraham Reichenberg. Environmental risk factors for autism: an evidence-based review of systematic reviews and meta-analyses. Molecular Autism (2017)8:13.
O desenvolvimento de novas tecnologias e grandes estudos de base populacional têm projetado recentemente uma nova luz sobre o possível impacto de alguns fatores ambientais na etiologia da PEA. Por exemplo, sabemos que todos os gémeos partilham o seu ambiente desde a conceção, e que os gémeos iguais (monozigóticos) partilham também todos os seus genes, enquanto que gémeos diferentes (dizigóticos) apenas têm em comum metade dos seus genes. Assim, a comparação da concordância para a PEA entre gémeos iguais e entre gémeos diferentes podem fornecer uma estimativa sobre a importância relativa de fatores ambientais e fatores genéticos na etiologia do autismo. Embora estes estudos já se façam há muitos anos, recentemente foram alargados a grandes grupos de gémeos, permitindo um cálculo muito mais rigoroso que sugere que fatores ambientais contribuem de forma importante para o risco de desenvolvimento da PEA. Tendo esta evidência em mente, Modabbernia, Velthorst e Reichenberg analisaram sistematicamente todas as publicações de revisão e meta-análises sobre fatores ambientais e risco de PEA até 2016, reportando em 2017 uma visão epidemiológica abrangente1.
A análise referida mostra claramente que fatores como a vacinação, o tabagismo materno e a exposição ao timerosal não estão relacionados com o risco de PEA e que muito provavelmente as tecnologias de reprodução assistida também não têm qualquer impacto. Por outro lado, alguns outros fatores de risco contribuem para um maior risco de PEA, nomeadamente a idade avançada dos pais e as complicações no parto associadas a trauma, isquemia ou hipoxia. Outros fatores relacionados com a gravidez, como a obesidade materna, a diabetes materna e a cesariana, mostraram contribuir relativamente pouco para o risco de PEA. Uma associação forte e dependente da dose foi encontrada entre a utilização de valproato (fármaco utilizado para tratamento da epilepsia) durante a gravidez e o risco de PEA e de outros problemas de neurodesenvolvimento, enquanto os resultados para a utilização de fármacos inibidores da recaptação de serotonina não foram conclusivos. Relativamente à nutrição e à utilização de suplementos, os efeitos benéficos da toma de ácido fólico e ômega 3 não foram claramente demonstrados. O estudo mostrou ainda que os níveis de vitamina D são significativamente mais baixos em crianças com PEA do que em crianças com desenvolvimentos típico, embora não seja clara a causalidade. Outra área abordada foi a exposição a toxinas ambientais, nomeadamente a poluição atmosférica, timerosal, mercurio inorgânico e chumbo. Uma associação foi encontrada entre a exposição pre-natal a micro-partículas no ar e o risco de PEA, mas com efeito relativamente pequeno. Como acima referido, a exposição a timerosal nas vacinas não aumenta o risco de PEA. No entanto, exposição a níveis elevados de mercúrio inorgânico de outras fontes ambientais poderá contribuir para a PEA. De entre os metais pesados analisados em vários tecidos, incluindo sangue, cabelo dentes ou urina, os resultados mais consistentes foram de uma associação entre
os níveis de chumbo e mercúrio inorgânico e a PEA; no entanto a maioria dos estudos têm limitações no seu desenho, e para uma conclusão definitiva há que fazer uma investigação mais aprofundada.
Uma questão fundamental sobre a associação entre fatores de risco ambientais e PEA é se esta associação representa uma causalidade ou é devida a confundimento. Por exemplo, as associações de complicações no parto com a PEA podem ser devidas a uma condição genética que se apresenta com sintomas de ASD e que leva a complicações no parto. Assim, alguns fenómenos poderão ser observados mais frequentemente em crianças com autismo, mas não serem a causa do autismo. Por outro lado, os mecanismos das associações encontradas entre fatores ambientais e o risco de PEA são atualmente debatidos, incluindo interações entre genes e ambiente, alterações no sistema imune, perturbações endócrinas ou alterações nas vias de sinalização do cérebro. A partir dos estudos observacionais em que esta análise foi baseada, é muito difícil estabelecer uma causalidade, e é importante que o desenho de estudos futuros possa contemplar uma análise mais inferencial. Por outro lado, a análise das interações entre uma susceptibilidade genética e a exposição ambiental poderá contribuir para uma visão mais clara da etiologia da PEA.
Em comparação com estudos genéticos, os estudos sobre fatores de risco ambientais estão ainda no seu inicio e portanto têm limitações metodológicas significativas. Estudos futuros beneficiariam de uma abordagem mais abrangente, incluindo uma quantificação mais precisa da exposição, em populações de maiores dimensões para detetar efeitos mais subtis, a avaliação da exposição em relação a períodos críticos de desenvolvimento e a interação dinâmica entre o gene e o ambiente.
1 Amirhossein Modabbernia, Eva Velthorst, and Abraham Reichenberg. Environmental risk factors for autism: an evidence-based review of systematic reviews and meta-analyses. Molecular Autism (2017)8:13.
Em 2016, a SFARI (Simons Foundation Autism Research Initiative), um dos mais notórios programas dedicados à investigação em autismo, lançou aquele que visa ser o maior estudo de sempre da PEA: o estudo SPARK (Simons Foundation Powering Autism Research for Knowledge). Com a missão de construir uma comunidade online entre famílias de pessoas com PEA e investigadores, a SPARK pretende, a longo-termo, recolher e dar acesso a dados médicos e genéticos de 50000 famílias americanas a investigadores de todo o mundo, mediante autorização por um comité científico e salvaguardando adequadamente a confidencialidade dos dados. Isto significa que os dados serão disponibilizados apenas a projetos com grande mérito científico, que possam comprovadamente contribuir para o avanço do conhecimento da PEA. Igualmente, os dados serão apenas partilhados após autorização dos participantes, que serão parte ativa no estudo. A SPARK compromete-se, ainda, a dar suporte e informação a todos os participantes. Em particular, por exemplo, sempre que uma alteração num gene com significado clínico para a PEA for encontrada, a família em questão será contatada.
Nos primeiros 12 meses do estudo, entre maio de 2016 e maio de 2017, foram recrutados para o estudo SPARK 18089 indivíduos com PEA e 28515 membros das suas famílias. Dada a importante componente genética da PEA, a recolha de dados de familiares de indivíduos com PEA é crucial. Este recrutamento teve lugar através de clínicas e hospitais, facilitando a interação das equipas de investigação com os participantes, sendo a recolha de material genético feita através da colheita de saliva. Em média têm sido recrutados 1100 novos participantes por mês.
A grande vantagem desta iniciativa será disponibilizar a toda a comunidade científica, após consentimento dos participantes, informação relativa a um enorme numero de famílias. Assim, apesar de neste momento apenas indivíduos residentes nos Estados Unidos da América serem recrutados, muitos investigadores de todo o mundo poderão aceder aos dados o que irá certamente acelerar o ritmo dos resultados obtidos na investigação. Este projeto terá por isso um impacto global na eficiência da investigação das causas da PEA e, a longo-prazo, na qualidade de vida de indivíduos com autismo e das suas famílias.
Para saber mais sobre este assunto consulte o link oficial (em inglês): SPARKForAutism.org
Autores: João Pedro Santos e Astrid Moura Vicente Fontes: SPARKForAutism.org e artigo “SPARK: A US Cohort of 50,000 Families to Accelerate Autism Research” publicado em Fevereiro ultimo na revista Neuron.
Um estudo em que participou o Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) da Universidade de Coimbra (UC), publicado na conceituada “Nature”*, revela que é possível reverter alguns comportamentos ligados ao autismo, na fase adulta.
Uma equipa de cientistas norte-americanos e uma portuguesa, Patrícia Monteiro, investigou o gene Shank3, um dos genes implicados no autismo, patologia sem cura que afeta cerca de 70 milhões de pessoas em todo o Mundo. Em Portugal estima-se que a prevalência seja de 1 caso em cada 1000 crianças em idade escolar.
Apesar da origem do autismo ser bastante variável, o gene Shank3 está associado a uma forma monogénica da patologia. Quando surge uma mutação, a proteína resultante deste gene – que funciona como um “andaime” que dá acesso à comunicação entre neurónios – deixa de suportar a estrutura, causando danos no circuito neuronal.
Sendo o autismo uma doença neuropsiquiátrica que compromete o normal desenvolvimento da criança e que permanece durante toda a vida, a equipa, através de uma abordagem pioneira, quis perceber se valia a pena apostar em terapias direcionadas para a fase adulta dos doentes.
Experiências realizadas durante quatro anos em ratinhos adultos sujeitos à mutação do gene mostraram, pela primeira vez, ser possível reverter dois dos principais sintomas do autismo: ausência de interação social e comportamentos repetitivos.
Ou seja, os investigadores conseguiram consertar o “andaime” e restabelecer a comunicação na estrutura “durante a fase de vida adulta desses ratinhos, demonstrando que é possível reverter as alterações bioquímicas, problemas de comunicação neuronal e mesmo melhorar as interações sociais e comportamentos repetitivos”, descreve Patrícia Monteiro, que participou no estudo ao abrigo do Programa Doutoral em Biologia Experimental e Biomedicina do CNC em parceria com o MIT (Massachusetts Institute of Technology).
Esta descoberta “abre portas para a criação dos primeiros medicamentos eficazes no tratamento da doença. Estes resultados indicam que, embora o autismo seja uma perturbação do desenvolvimento, é possível intervir na sua fase adulta”, afirma a coautora do estudo liderado pelo MIT.
“Ainda que estas experiências em ratinhos não tenham aplicação direta nos humanos», Patrícia Monteiro realça que o estudo «ajuda a compreender o conjunto de alterações biológicas presentes no autismo e abre portas para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas, como por exemplo estratégias direcionadas para a melhoria de certas alterações comportamentais passíveis de serem revertidas em fase adulta e não para o quadro de alterações comportamentais do autismo como um todo.”
*A participação portuguesa foi financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). As entidades norte-americanas que financiaram o estudo foram: Poitras Center for Affective Disorders Research at MIT, Stanley Center for Psychiatric Research at Broad Institute of MIT and Harvard, National Institute of Health, Nancy Lurie Marks Family Foundation, Simons Foundation Autism Research Initiative (SFARI) e Simons Center for the Social Brain at MIT.
O PIN está a colaborar num estudo com a Faculdade de Motricidade Humana cujo objectivo é explorar a visão de pais e irmãos sobre a brincadeira entre as pessoas com Perturbações do Espectro do Autismo e os seus irmãos.
Se tem um filho com Autismo (3 anos ou mais) e um filho com desenvolvimento típico (4-12 anos) então esta investigação é para a sua família. Para participar basta disponibilizar-se para responder a duas entrevistas conduzidas pela investigadora: uma das entrevistas é dirigida ao pai ou mãe (50-60 min) e outra a um dos irmãos (30-40 min).
Saiba mais sobre este estudo aqui.